quinta-feira, 26 de maio de 2016

CRONICAS À FLOR DA PELE: A BLITZ E A LINGUAGEM.

Inspirado em alguns acontecimentos recentes, e depois de uma orientação, decidi dar algum tempo do pouco tempo que tenho para escrever algumas crônicas. Tentarei ser sucinto e objetivo.

Nesta primeira é necessário um aparte por ser a primeira, portanto gostaria de enfatizar que Solano Trindade foi muito inteligente no seu poema ‘FDP’. 
Outra coisa também é sobre o que Fanon escreve em Peles Negras Máscaras Brancas, poupo dos pormenores da língua do colonizador, tanto que até agora estou aqui pensando se isso é um conto ou uma crônica, decidi chamar de crônica. 
Não pretendo me perder num dialeto, tentando reivindicar algo que, por alguns privilégios ou falta deles, não faz mais parte de mim. Evitarei estereótipos. A intenção é tentar passar uma mensagem da forma que consigo e que alguém a entenda.

Bem, o acontecido foi uma parada policial com a intenção da  averiguação da idoneidade de um cidadão de bem que transita durante a madrugada na pacata Ribeirão Preto. Já passava muito das zero horas e eu voltava da casa da garota que namoro, no meio do caminho blitz. 
Pra quem dirige, ainda mais moto, isso não é novidade. Ora ou outra nos deparamos num beco sem saída, numas ruas contorcidas que mesmo que quiséssemos, não daríamos conta de voltar atrás. 
Mas esta foi diferente, houve um fato que não aconteceu nas outras duzentas, entre blitzes, revistas por estar andando na rua de boas, ou invasão a domicilio. E aproveito para dar umas dicas importantes pois por mais idealista que se possa ser, ser estratégico é crucial; não olhe nos olhos por muito tempo; o ‘senhô’ é esperado para o enquadramento num estereotipo, não o faça ou tente não o fazer; não demonstre nervosismo, por mais difícil que se possa ser; ore em pensamentos por seus orixás. 
Na blitz o policial, através de uma análise fenotípica, instaurando um processo inconsciente, ou não, dentro de um universo relacional estruturou-se enquanto policial numa abordagem especifica e primeiro deu aquele olhar de eu to ligado, você tá ligado, e nós estamos ligados e eu sei que você sabe que eu sei. Depois, de alguns segundos de troca de olhar e aquele clima de pré-tiroteio num faroeste, como nos filmes ele falou “documêntu. donde cê é? tá inu pra ôndi? tem passagi? tem passagi? tem passagi não?”. Leia novamente e tente falar o que ele falou fazendo bico com a voz de uma possessão demoníaca meio soprando sem a rouquidão, foi desse jeito. 
Na hora vieram dois pensamentos, primeiro uma audiência recentemente passada onde a emoção, como sempre, se fez presente e varias pessoas deram a um PM manda-chuva dessas bandas de cá, alguns adjetivos. Só de pensar que depois de uma conversa soldado com a moça que falava da central pelo rádio, eu talvez não pudesse estar crônicando, e que muitos, mas muitos, uma série de diversos casos "isolados" e "suspeitos" acontecem e muitos iguais a mim não tem a chance que tenho, já faz a cabeça da gente girar, não é não? O segundo pensamento é que a placa da moto estava zuada. 
Pois bem, averiguado os documentos, antes mesmo de eu os guardar, outra moto, um cidadão de bem, outra análise fenotípica e este é o fato novo numa blitz. Enquanto guardava minhas coisas, com a frieza de, naquela situação ter a sacada, me dediquei ao estudo do modo, da postura, da tonalidade da voz, do manejo, da sutileza, daquele primeiro momento que me foi permitido analisar, pois já havia dado minha hora de vazar dali. De inicio foram proferidas para o outro motociclista as seguintes palavras: - Poderia verificar os documentos do veículo? 
Silêncio. 
Dei aquela tensionada na testa, girada rápida com a cabeça, o olhar fixo, quase que falei pro policia: Qualé a tua cara? Contundência. Revolta.
Certo que blitz , enquadramento, falta de mandato acontece sempre por aqui, isso já foi meio que naturalizado, por mais que não se queira, porém ver na prática o já citado Fanon e deparar com a institucionalidade dos fatos dando inspiração para protestar como fez Carlos de Assumpção, não tem preço.



Marcelo. De todos os Santos é negro e isso basta. 17 de maio de 2016.